O plano do PT de liderar a oposição ao governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), enfrenta resistências
até mesmo de tradicionais parceiros. Aliado do candidato Fernando Haddad na eleição, o PCdoB, por exemplo, já
articula um bloco parlamentar na Câmara dos Deputados com o PSB e o PDT de Ciro Gomes. O movimento tem
potencial para “emparedar” os petistas.
“O presidente é fake, mas precisamos de uma oposição de verdade. Isso não se dará se a esquerda seguir a lógica do hegemonismo. Erramos ao não construir uma frente antes e erraremos se não conseguirmos nos juntar agora”, afirmou o deputado Orlando Silva (SP), líder do PCdoB na Câmara.
Silva negou que a iniciativa seja contra o PT, mas repetiu que um partido não pode querer se sobrepor ao outro nesse processo, porque isso seria o primeiro passo para a fragmentação da “resistência” ao governo Bolsonaro. “Espero que o PT e o PSOL se somem a nós, porque daqui para a frente os dias serão muito difíceis”, previu.
O PCdoB é a sigla de Manuela D’Ávila, que era vice de Haddad. Internamente, os integrantes do partido reclamaram da estratégia de marketing de campanha.
Segundo eles, o PT escondeu Manuela para exibir Ana Estela, mulher do candidato, e isso teria prejudicado o PCdoB, que não ultrapassou a cláusula de barreira na eleição.
O partido agora investe em uma brecha jurídica para conseguir sobreviver sem se fundir com outra legenda para ter acesso aos recursos do fundo partidário e ao tempo de propaganda no rádio e na TV É zero a hipótese de fusão com PT, PSB ou PDT”, disse Silva, acrescentando que a agenda do novo bloco parlamentar deve incluir, no plano econômico, a revisão de renúncias fiscais e, no social, um pacto pela primeira infância.
“Não sei se essa frente será um blocão, mas, de qualquer forma, não aceitaremos a hegemonia do PT nem de quem quer que seja. É necessário muito cuidado com isso. Vamos manter a nossa cara, e não incorporar a de outro partido”, concordou o presidente do PSB, Carlos Siqueira.
Ciro Gomes, por sua vez, já iniciou o processo de afastamento do PT. Sem conseguir passar para o segundo turno da disputa presidencial, Ciro viajou para o exterior e, ao voltar, na noite de sexta-feira, não deu nenhuma declaração de apoio explícito a Haddad. Na Câmara, o deputado André Figueiredo (CE), líder do PDT e
aliado de Ciro, tem participado de conversas sobre a formação do novo bloco com o PCdoB e o PSB.
Para o deputado José Guimarães (CE), secretário de Assuntos Institucionais do PT, a centro-esquerda deverá formar uma “ampla frente” de oposição a Bolsonaro no Congresso e seu partido tem todas as condições de liderar esse bloco. “Protagonismo não significa hegemonismo”, argumentou ele. “Temos de adotar um programa que pacifique a esquerda como protagonista da esperança.” Se depender de Guimarães, a nova frente pode abrigar não apenas aliados históricos do PT, mas também setores do PSDB e até mesmo do MDB do presidente Michel Temer, que assumiu o Palácio do Planalto após o impeachment Dilma Rousseff, em 2016. O problema é que, no atual cenário, nem mesmo os antigos parceiros do petismo veem essa ideia com bons olhos.
No diagnóstico do cientista político Carlos Melo, professor do Insper, o desafio da será ter um discurso que vá além do ‘Fora Bolsonaro’. “O PT vai entrar agora em uma fase de luto. Uma parte vai se renovar e outra, se agarrar ao passado”, observou Melo, que prevê uma nova configuração de forças no campo da centro-esquerda. “Eu não vejo o PT liderando a oposição, porque perdeu o pulso das ruas e da sociedade.”
Ideólogo da tese de refundação do PT, lançada após o escândalo do mensalão, o ex-governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro disse que a vitória de Bolsonaro exigirá do partido uma renovação de seu plano estratégico. “Construir um projeto neo social-democrata é a tarefa do PT para o próximo período, mas, sinceramente, não sei se a atual direção está disposta a programar”, comentou Tarso, da tendência Mensagem ao Partido. Haddad é próximo desse grupo, mas ingressou na corrente Construindo um Novo Brasil (CNB), majoritária no PT, para conseguir virar candidato. Na avaliação de Tarso, a legenda precisa agora se projetar com nova fisionomia e “ousar”, apresentando uma plataforma mais arejada. “Se o partido fará ou não essa reflexão é algo incerto, mas eu e centenas de quadros faremos, com a esquerda em geral”, declarou o ex-ministro do governo Lula.
Ao que tudo indica, a turbulência petista tem todos os ingredientes para terminar em racha. “Não podemos dar nem guinada à esquerda nem à direita, como propõem alguns. Rótulos e chavões são um péssimo caminho”, insistiu Guimarães, fechando o raciocínio como quem fala do fim de um ciclo. “O importante, agora, é reconstruir
tudo”, avisou o deputado cearense. Com informações uol.